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Estado de Minas ENTREVISTA/BELTRINA CÔRTE

Envelhecer: 'Velhos não são invisíveis, a sociedade é que está cega' 5a6l1n

Pesquisadora critica a cegueira que traz como consequência velhices cada vez mais indignas, especialmente para os velhos pobres, pretos e periféricos


02/05/2021 04:00 - atualizado 02/05/2021 07:37

Beltrina Côrte, de 62 anos, jornalista e pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe/PUC-SP), diz que é preciso tomar o controle social e exigir os direitos, já que os deveres os velhos cumprem
Beltrina Côrte, de 62 anos, jornalista e pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe/PUC-SP), diz que é preciso tomar o controle social e exigir os direitos, já que os deveres os velhos cumprem (foto: Arquivo pessoal)


Se é para falar sobre as dores e delícias do envelhecer, Beltrina Côrte, de 62 anos, jornalista e pós-doutora em ciências da comunicação, tem know-how. Com o ar dos anos e a proximidade da velhice, ela decidiu se tornar estudiosa do envelhecimento e da longevidade desde 2000.

Professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe/PUC-SP), coordena o grupo de pesquisa “Longevidade, envelhecimento e comunicação”, é CEO do Portal do Envelhecimento (https://www.portaldo envelhecimento.com.br) e do Longeviver (https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/cursos/). 

Como envelhecer sem se deprimir, sem esconder, sem se sentir preterida pela sociedade? É uma questão de atitude pessoal, de formação, de oportunidades na vida? Como está sendo para você?

Assim como Simone de Beauvoir, para mim envelhecer é viver, portanto, a questão é: como viver sem deprimir ante tantos horrores? Tantas boçalidades, tantas desumanidades? Se viver é envelhecer, não há como me esconder da vida, certo? Tampouco ter vergonha da vida. É fluir com a vida e com tudo que ela traz, com maior consciência daquilo que não se quer, menos preocupação com o que os outros dizem, mas sim com o que se deseja, junto, claro, a cabelos brancos, rugas, pneuzinhos, manchas na pele, presentes que o tempo vai nos brindando ao longo da vida.

Como atuo na área acadêmica e no site Portal do Envelhecimento, em que meu produto é "conhecimento", não me senti preterida pela sociedade, porque conquistei a voz e continuo em atividade, muitas vezes pela sobrevivência mesmo, outras tentando ensaiar projetos de vida que me deem sentido e que me façam querer sair da cama todos os dias.

Cheguei ao envelhecimento ‘tocada’ por uma vizinha, que virou grande amiga e que me inspira até hoje, a Tomiko Born, que hoje mora em Caldas (MG). Ela fez escola e eu e o Portal do Envelhecimento e todos os seus produtos (Revista Longeviver, Portal Edições e o Espaço Longeviver) somos fruto disso. Gostando ou não, a velhice vai nos habitando, então que seja de bem com a vida.

Ser velho no Brasil é para os fortes? Um país que por muitos anos foi considerado jovem, e que agora, ao envelhecer, não sabe lidar com os velhos. Como “gritar” para ser visto?

Não, ser velho no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, é para quem não tem vergonha de sua velhice. Dito de outra maneira, tomando emprestado a fala da ativista norte-americana Ashton Applewhite, “é constrangedor ser chamado de mais velho até deixarmos de ter vergonha disso, e não é saudável ar a vida temendo nosso futuro. O quanto antes sairmos desta roda de negação da idade, melhor estaremos”.

Ricos e pobres, letrados e analfabetos, pretos e brancos, velhos e jovens... têm vergonha de suas velhices, vergonha de seus velhos e horror em ser chamados de velhos. Nós não sabemos lidar com as velhices que vão nos habitando. Há muitos preconceitos, ou como está na moda do marketing, há muito ageísmo, consequência de uma cultura em que sempre (até hoje) se associa a velhice com doença, declínio, perdas.

Associa-se envelhecimento a problema. Quem é que quer ser problema? Fardo? Quem quer desejar um futuro onde a doença seja seu único destino? Mas é isso que a sociedade de maneira geral oferece. Não só, a maioria das pesquisas acadêmicas relacionadas ao envelhecimento também reproduzem isso, apresentando quase que unicamente doenças. A reforma trabalhista e a pandemia comprovaram todos os preconceitos.

Quando Simone de Beauvoir lançou o livro “A velhice”, anos 1970, na época de fato os idosos eram invisíveis. Hoje eu diria que eles não são invisíveis, eles (nós), estamos aí, ocupando diversos serviços públicos, como centros de convivência, ocupando as ruas, presentes nas nossas famílias (quem não tem um velho em sua família?). Enfim, há muitos velhos hoje, somos mais de 30 milhões.

Somos muitos, pena que não sabemos o valor que isso pode ter. Mesmo sendo muitos, há quem insista em não olhar para eles, como ocorre em muitos consultórios, cujos profissionais se dirigem ao filho, nora e não ao velho que ali foi se consultar.

Então, eu inverteria a frase, e diria que eles não estão e não são invisíveis, a sociedade é que está cega, ou insiste em ser cega, tal como o “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago, meu conterrâneo. Uma cegueira que traz como consequência velhices cada vez mais indignas, especialmente para os velhos pobres, pretos e periféricos. Com isso, o que quero dizer é que o envelhecimento não é uma questão de velhos, é uma questão da sociedade, e as políticas devem ser pensadas para garantir a dignidade ao longo de toda uma vida.

Assim como Simone de Beauvoir, para mim envelhecer é viver, portanto, a questão é: como viver sem deprimir ante tantos horrores? Tantas boçalidades, tantas desumanidades? Se viver é envelhecer, não há como me esconder da vida, certo? Tampouco ter vergonha. É fluir com a vida e com tudo que ela traz, com maior consciência daquilo que não se quer, menos preocupação com o que os outros dizem, mas sim com o que se deseja 3j6y2s

Beltrina Côrte, de 62 anos, jornalista e pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe/PUC-SP) 3x212q

A mulher é mais discriminada na velhice?

Há uma cobrança muito grande em relação à mulher, mas isso está mudando e bastante. Há um movimento bem grande de mulheres com seus cabelos brancos. Aliás, hoje, os brancos estão na moda.

Muitas estão assumindo, até por conta da pandemia. Não vejo que esse movimento retroceda, pelo contrário. Assumir os brancos não é fácil, mas basta olharmos à nossa volta. A sobrevida da mulher é maior após os 60 anos do que o homem, observo que para muitas a velhice associada à viuvez tem sido libertadora, época em que podem concretizar muitos desejos, descobrirem-se como pessoas, e isso vai além de olhar apenas para um corpo.

A mulher, diferentemente do homem, sempre teve que lidar com diversas tarefas, seja do trabalho, da casa, do cuidado com as crianças, e isso na velhice vem se mostrando como dispositivos protetores de um melhor envelhecer, são mais resilientes. Assim, se o mercado as expulsa aos 40 anos, elas se recriam, se reinventam, e vão à luta.

Estatuto do Idoso no Brasil, as assembleias e planos de ação da ONU para o envelhecimento. Propostas que só ficam no papel? Como se configuram na prática">http://www.artplan.com.br/trabalho/aging-2-0/orgulho-sessenta-mais/.
 

DISCRIMINAÇÃO QUE AFETA* 2i1v4w


1 – Na instância individual
- Evitar idosos
- Negar a velhice
- Ter atitudes e estereótipos negativos

2 – Na instância institucional
- Envolve maus-tratos em asilos e hospitais
- Discriminação no campo profissional
- Vieses em políticas públicas

3 – Na instância societal
- Linguagem
- Normas sociais
- Segregação baseadas na idade

*Fonte: Palmore, Branch & Harris, 2005; Butler, 2009



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