
Queijo Minas Artesanal e Queijo Artesanal de Minas: qual é a diferença?
Cada variedade tem regras próprias, reconhecidas em portarias, e se insere em contextos geográficos e culturais específicos
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Outro dia, uma amiga – chef e dona de restaurante – publicou em suas redes sociais, cheia de entusiasmo, a chegada de um requeijão moreno ao cardápio de seu restaurante. Na legenda da foto, escreveu que se tratava de um queijo artesanal mineiro e, por excesso de cuidado, usou a sigla QMA – Queijo Minas Artesanal. Em pouco tempo, recebeu o alerta de um especialista: aquele requeijão, embora artesanal e mineiro, não pertencia à categoria QMA. O post gerou dúvidas: afinal, o que separa um Queijo Minas Artesanal (QMA) de um Queijo Artesanal de Minas (QAM)? A confusão ainda é comum, mesmo entre profissionais. Os nomes se parecem, os produtos compartilham território, mas há distinções importantes. E elas não se limitam à sigla.
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O Queijo Minas Artesanal (QMA) tem regulamentação própria, com regras precisas. Produzido com leite cru, uso de pingo e período mínimo de maturação – que varia conforme a microrregião –, o QMA carrega um saber-fazer reconhecido e registrado como patrimônio. Dez microrregiões mineiras têm autorização legal para produzir esse tipo de queijo. Canastra, Araxá, Serro, Campo das Vertentes, Cerrado, Salitre, Ibitipoca, Entre Serras, Triângulo e Diamantina fazem parte do mapa. Cada uma expressa, no gosto, as condições de solo, clima e o modo como o humano interfere nisso tudo.
Mais do que uma categoria, o QMA é uma receita específica. Isso significa seguir um conjunto determinado de práticas, como o uso de leite cru, a fermentação láctea natural, por meio do soro obtido da produção dos dias anteriores (chamado de pingo), salga a seco, registro sanitário e por aí vai. A variação entre regiões – e entre produtores – existe, mas as bases são comuns. Trata-se de um modo de fazer com identidade definida e proteção legal. Não se trata apenas de um único queijo. Trata-se de um sistema, um modo de fazer específico.
O Queijo Artesanal de Minas (QAM) também é regulamentado. Em 2018, uma lei definiu critérios específicos para a produção e comercialização de queijos artesanais no estado. Essa categoria abrange diferentes tipos, como Cabacinha, Mantiqueira de Minas, Alagoa, Serra Geral, Vale do Suaçuí e Requeijão Moreno. Cada um com sua própria receita, técnicas e processos, como cozimento, fusão ou filagem da massa – etapas que não ocorrem no QMA. São queijos distintos, produzidos de forma artesanal, ligados ao território e à tradição, mas com tecnologias de fabricação próprias.
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Ou seja: enquanto o QMA segue uma única receita, o QAM abriga várias. Cada variedade tem regras próprias, reconhecidas em portarias, e se insere em contextos geográficos e culturais específicos. Todas expressam formas legítimas de fazer queijo artesanal em Minas Gerais.
Durante os últimos anos, venho orientando alunos do curso de graduação em gastronomia do Senac Minas vinculados ao Núcleo de Iniciação Científica e Extensão especificamente a respeito desse assunto. Um dos resultados foi a publicação do e-book “Queijo Minas Artesanal – Gosto e Território”, com colaboração dos especialistas Eduardo Girão e Renata de Paoli, disponível gratuitamente no site do Senac. A publicação apresenta as bases históricas, técnicas e culturais que sustentam o QMA, descreve o papel do pingo, os tempos de cura, as legislações e as características sensoriais específicas dos queijos de cada região.
Antes de escolher o queijo na prateleira, vale perguntar: qual leite foi usado? Houve maturação? O produto tem registro sanitário? De qual microrregião ele vem? Saber essas respostas muda a forma de olhar – e de degustar. O gosto também pode ser um instrumento de leitura. E, como toda boa leitura, depende de contexto.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.