Inflação corrói ganho salarial do trabalhador de baixa renda
Impacto da alta dos alimentos é maior para os que recebem até cinco salários mínimos
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Siga no“Cada vez que vou ao supermercado volto com menos sacolas”, é assim que a cuidadora e autônoma Michele Ferreira, enxerga seu poder de compra. Mãe de três filhos, ela divide a rotina entre a área da saúde e a venda de pipocas na Praça Sete de Setembro, no Hipercentro de Belo Horizonte, para complementar a renda e fechar as contas no fim do mês, mas adianta: “Tenho que escolher qual boleto pagar”.
Na semana em que se celebra o Dia do Trabalhador, festejado nessa quinta-feira (1/5), a realidade de Michele é a mesma de 90% dos trabalhadores brasileiros, que ganham menos de R$ 3,5 mil por mês, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Com o país em situação de quase pleno emprego e taxas cada vez menores de desocupação entre os brasileiros, marcando 7% em fevereiro deste ano, e um aumento de 7,50% no salário mínimo, superando a inflação acumulada de 5,48% até março, se sugere um ganho real para os trabalhadores que recebem o piso salarial.
Além disso, o rendimento médio do trabalhador bateu novo recorde no primeiro trimestre deste ano, ficando em R$ 3.410. Mas, de acordo com economistas ouvidos pelo Estado de Minas, o poder de compra dos brasileiros, que recebem entre um e cinco salários mínimos, está comprometido por altas no mercado imobiliário e na alimentação, que seriam os principais gastos da classe.
A vendedora Silvia Pereira também relata a sensação de ter menos poder de compra que nos anos anteriores. “Eu recebo um salário mínimo (R$ 1.518) e gasto em média R$ 800 com alimentação e pago aluguel. Tenho que trabalhar por fora para conseguir pagar tudo”, afirmou.
Pessimista, a celetista ainda relata não ver melhora no horizonte econômico brasileiro. “A tendência é que aumente ainda mais, por causa do clima e dos impostos que estão muito altos também”, disse.
O consultor Samuel Assunção, que recebe cerca de cinco salários mínimos, relatou estabilidade, mas ainda faz malabarismos na hora colocar os gastos na ponta do lápis. “Gasto mais com comida e aluguel, que está nas alturas. Se a gente tem um gasto a mais no mês, um presente, por exemplo, você já fica apertado”, contou.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que reflete a realidade de pessoas com até 40 salários mínimos de renda, chegou a 5,56% em março deste ano, acompanhando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que atingiu 5,51% e retrata os brasileiros que tem até cinco salários na conta por mês. A disparidade das realidades, no entanto, está na natureza dos gastos.
“Cada cesta de consumo é diferente. As famílias que ganham de um a cinco salários mínimos gastam mais em transporte e alimentos, dessa forma, o que pesa é inflação de produtos maior que serviços. Não houve ganho real quando o cenário é analisado por renda”, afirmou o economista-chefe do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Izak Carlos da Silva.
“Acima de sete a oito salários mínimos, o foco do consumo está nos serviços, como viagens, transporte por aplicativo, etc. Os alimentos pesam menos”, afirmou o especialista.
Silva explicou ainda que o Brasil está em fase de pleno emprego, o que justificaria a queda histórica de um ponto percentual de 2024 para 2025, nas taxas de desocupação, números que não devem sofrer grandes impactos nos próximos meses.
“Estamos em decrescimento, há menos gente para trabalhar. A queda expressiva representa um movimento de formalização de vagas que já existiam. Esse cenário reflete no valor dos serviços, por exemplo, pois se há menos mão de obra, fica mais caro para o consumidor”, afirmou.
O número de empregos formais no setor privado cresceu 4,2%, em 2024, com a geração de 1,589 milhão de postos de trabalho no país. O total ou de 38,266 milhões para 39,855 milhões, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
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Endividamento
Quando as contas não fecham, o endividamento chega. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a parcela de famílias brasileiras com dívidas (em atraso ou não) chegou a 78,3% em abril deste ano. A taxa é a mesma observada no mês anterior, mas está acima dos 77,7% de abril de 2022.
A pesquisa indica que a parcela de inadimplentes – aqueles que têm contas ou dívidas em atraso –, chegou a 29,1% das famílias do país, abaixo dos 29,4% de março, mas acima dos 28,6% de abril de 2022. O aumento ocorreu principalmente na classe média.
Aqueles que não terão condição de pagar suas dívidas somaram 11,6%, percentual superior aos 11,5% de março e aos 10,9% de abril do ano anterior. A cada 100 consumidores inadimplentes em abril, 45 estavam com atrasos por mais de três meses. Muitos consumidores têm recorrido ao crédito pessoal, modalidade em que os juros tiveram o menor crescimento (média de 42% ao ano), para pagar dívidas mais caras, como do cartão rotativo, por exemplo.
Do total de consumidores endividados, 86,8% têm dívidas no cartão de crédito e 9% com crédito pessoal. O uso dessa modalidade de crédito é o maior em um ano, enquanto o do crédito pessoal supera os últimos seis meses, de acordo com a CNC. A pesquisa, segundo Silva, é baseada na autopercepção do endividamento de cada família, mas ainda é um dado alarmante que representa uma insegurança econômica dos brasileiros.
“Segundo o Banco Central (BC), essa taxa de endividamento está em 47% e não se altera há anos. Não faria sentido um crescimento real do endividamento, visto a taxa de desemprego baixa e a escassez de mão de obra. As pessoas estão ganhando mais, com ofertas de trabalho melhores. Mas esse dado da CNC mostra que há essa insegurança, porque as famílias estão vendo o custo de vida subir e se sentem mais endividadas”, afirmou o economista.
O Dieese aponta para uma realidade mais desafiadora. Em abril de 2025, estimou que o salário mínimo necessário para cobrir as despesas com a cesta básica seria de R$ 7.596,15, indicando que o salário mínimo vigente cobria apenas 20% dessa necessidade.
Projeções para o futuro
Para os próximos trimestres de 2025, o cenário seguirá restritivo. “Serviços e alimentação devem continuar pesando no bolso do consumidor. Na prática, a expectativa é que a inflação cresça e fique em 5,57%. A atividade econômica segue aquecida e o desemprego continua em baixa”, afirmou Izak Carlos da Silva.
O economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, istrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), Paulo Casaca, destaca a conflitos na geopolítica mundial como fator de instabilidade na economia brasileira. “A gente não sabe quais vão ser os desdobramentos desse movimento dos Estados Unidos de elevação das tarifas de importação porque isso tem gerado uma guerra comercial dos EUA com o restante do mundo, principalmente com a China”, afirmou.
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“O aumento das alíquotas de importação para os Estados Unidos vai fazer com que, por exemplo, produtos chineses entrem em mercados onde não estavam acostumados a entrar, como o Brasil. Isso pode prejudicar o nosso sistema produtivo, porque a gente vai ter mais concorrência direta com produtos com preços menores e mais competitivos”, completou Casaca.
“Há também fatores climáticos que influenciam o preço dos alimentos, e isso atinge as camadas mais pobres que gastam mais com alimentação. Temos uma fonte de incertezas”, disse.
Satisfação
Uma pesquisa especial feita pela Serasa mostra que os brasileiros estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a posição que ocupam atualmente no trabalho, mas insatisfeitos com a remuneração.
De acordo com o levantamento, 63% dos entrevistados se consideram satisfeitos ou muito satisfeitos com a sua função laboral, mas 68% afirmam estar insatisfeito com o salário que recebem.
Além disso, um salário melhor (32%) e uma melhor qualidade de vida (27%) são os principais fatores para os que procuram novas oportunidades no mercado de trabalho.
“A nossa pesquisa reforça que há um espaço significativo para as empresas investirem no desenvolvimento e na valorização dos colaboradores”, avalia Patricia Camillo, especialista em educação financeira da Serasa.
“Aquele empregador ou líder que estimular o crescimento e fortalecer o engajamento do funcionário terá mais êxito na retenção de talentos”, complementa. Entre os desafios enfrentados no ambiente de trabalho atual, destacam-se a baixa remuneração e a alta carga de tarefas.