Wilson Figueiredo crédito: Editora Gryphus/Reprodução
Figueiró: BH, JB e amigos mineiros
Nascido em Castelo (ES) e morador de quatro cidades de Minas – Raul Soares, Divinópolis, Montes Claros e Uberaba – antes de se mudar para Belo Horizonte e iniciar uma trajetória marcante no jornalismo, Wilson Figueiredo (foto) era chamado por Rubem Braga de “mineiro do litoral”. Um dos idealizadores da revista Edifício, da geração de nomes como Autran Dourado e Francisco Iglésias, Figueiró – como o chamavam Hélio Pellegrino e outros amigos – trabalhou na Folha de Minas e, já no Rio de Janeiro, marcou sua época ao participar ativamente da reforma editorial e gráfica do Jornal do Brasil, onde permaneceu por 45 anos. Wilson Figueiredo morreu aos 100 anos no último domingo, no Rio de Janeiro. Deixou grandes amizades e ao menos um livro essencial para se conhecer a mineiridade. De “Os mineiros: Modernistas, sucessores & avulsos” (Gryphus Editora, 2011), o Pensar reproduz trechos sobre BH e a respeito de dois escritores: Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende.
A Belo Horizonte dos anos 1940
“Belo Horizonte, 200 mil habitantes, beirava a idade do século. JK era o prefeito. Estudantes de faculdades sustentaram a fama e a receita de Hilda Furacão. Enfeitava-se a lenda erótica. De um (aluno de Direito), corria que nas noites de sábado levava a farda e na manhã de domingo saía direto para o OR. A frequência era de estudantes nascidos em Belo Horizonte e dos chegados do interior para morar em pensões e fundar mais repúblicas que a Itália antes da unificação no século 19.
Pensão de estudantes, pensão de família e pensão de mulheres abrigavam a população flutuante. Foi antes da era dos antibióticos. A zona boêmia era agem obrigatória para a vida adulta. Osdancingsdiplomavam em samba, rumba, bolero, tango. O Montanhês abria e fechava a noite com a protofonia de ‘O guarani’, de Carlos Gomes, em ritmo de samba, execução da Orquestra de Delê e arranjo do próprio maestro.
Hilda Furacão, cujo sobrenome de batismo acabou esquecido, brilhava com o nome de guerra. Além da Guaicurus, para todos, o cassino da Pampulha, a seis quilômetros da Praça Sete, fazia as honras noturnas a um público seleto: os frequentadores de renda superior às mesadas estudantis saíam acompanhados dasgirlsdo show.”
“Além da istração do destino literário, da necessidade de trabalhar, das obrigações de frequentar aulas e fazer exames, o amor contagiou a rapaziada que ficou à espera do destino. E veio a gripe do pós-guerra. Sim, porque uma primeira leva já tinha se encaminhado para o Rio. Quando Brasília não existia, o Rio era tudo no Brasil. Nem São Paulo competia com o mar. Foi-se, primeiro, Fernando Sabino, assim que se casou; em seguida, Paulo Mendes Campos, logo, logo Otto Lara Resende, já jornalista de primeiro nível. Por último, Hélio Pellegrino. Em 1948, Sábato Magaldi começou a segunda leva. Já nos anos de 1950, na maré montante de JK, Autran Dourado, Octávio Alvarenga, Alphonsus de Guimaraens Filho com o seu lume de estrelas, Cristiano Martins. Francisco Iglésias ficou, mas teve presença na inteligência nacional. Era o santo daquela geração. A vocação política levou, por um longo caminho, Marco Antônio Coelho até a Universidade de São Paulo, onde o escritor banhou o estilo literário nas águas do São Francisco. Edmur Fonseca ficou, mas foi parar no Chile e voltou. O último a sair ao encontro do mar foi Jacques do Prado Brandão, com uma câmera de cinema na alma e sua poesia não mais escrita. Avulsos, os demais se foram. Vários, anonimamente, para não chamar a atenção. Naquele tempo só havia mesmo jornalismo e emprego público. Era um salto no escuro. Os que não foram, e os que ocuparam o lugar dos que partiram, encarregaram-se dos novos tempos. Outros nomes confirmaram a existência de ciclos que se repetem eternamente. Ficar se tornou uma opção: muitos ficaram. Fábio Lucas foi um dos últimos a deixar Minas e ficou em São Paulo. O outro que ficou e tem saudade daquele tempo: José Bento Teixeira de Salles. Seu irmão Fritz foi e voltou várias vezes. Fez poesia e tumulto por onde andou.”
Paulo Mendes Campos Arquivo
Paulo Mendes Campos
“Era literariamente ambidestro. Poesia e crônica de Paulo Mendes Campos (foto) brotavam da mesma fonte pessoal e corriam em leitos separados, mas paralelos. Encontravam-se nele, não no infinito. Em verso ou em prosa, dispensava estímulos, com as exceções dos que dividiam com ele a intimidade literária. Bom de verso e de prosa, fosse escrita ou propriamente dita (a forma oral). Gostava de ouvir sem abdicar da segunda natureza do mineiro que, com a arte de contar casos, vai resistindo bravamente à televisão, sem prejuízo da qualidade.”
“Mais do que ninguém em sua geração, Otto Lara Resende (foto) reuniu, em sua circunstância pessoal, a fé católica, a comiseração humana, o senso de humor discretamente ácido, num cidadão prestativo. Eram marca pessoal nele a exigência moral e a impaciência com a imperfeição humana. O jornalista por profissão e o escritor por opção se torturavam na insatisfação ao reler e retocar seus textos. Era um insatisfeito por natureza.”
“quem será contra nós”: lançamento hoje
Será lançado neste sábado (26/4), em BH, o romance “quem será contra nós?”, estreia da juíza de direito Sílvia Paiva Ramos na ficção. Mesclando religião, isolamento, exploração e ambiente opressivo, o livro da editora Reformatório traz uma história ambientada em Minas para retratar um Brasil ainda desconhecido da maioria dos brasileiros. A protagonista é uma jovem, Cristina, cuja vida se transforma quando os pais decidem seguir um pastor. Nas palavras da autora, existe um país “que permanece longe da nossa atenção, mas que pode estar na esquina, mais perto do que imaginamos, nos lugares onde o Estado tem dificuldade de estar presente e onde prevalece todo tipo de exploração”. O lançamento será às 11h, na Livraria da Rua (R. Antônio de Albuquerque, 913, Savassi).
Natalia Viana Pablo Saborido/Divulgação
Jornalismo investigativo no República Jenipapo
O projeto República Jenipapo promove na próxima terça, às 19h, uma conversa sobre o livro “O vazamento: memórias do ano em que o Wikileaks chacoalhou o mundo” (Fósforo), de Natalia Viana (foto). Com apresentação de Heloisa Starling, o encontro terá a participação de outro repórter investigativo, o mineiro Daniel Camargos. Ele lembra que Natalia foi a única jornalista brasileira no núcleo que analisou 250 mil telegramas diplomáticos dos EUA pelo Wikileaks em 2010. “O livro é um relato íntimo de Natalia e uma reflexão poderosa sobre o papel do jornalismo na era digital. Ela é uma das jornalistas mais importantes de sua geração — pelo que revelou e, principalmente, pelo que construiu”, analisa Camargos.
Natalia Viana integrou o grupo de jornalistas comandado por Julian Assange e articulou a participação de veículos brasileiros que publicaram a notícia exclusiva. “O furo expôs a interferência dos EUA em temas estratégicos do Brasil como o pré-sal e a política externa”, lembra o repórter.
Depois da experiência, Natalia cofundou a Agência Pública de Jornalismo Investigativo, que conta atualmente com uma equipe de quase 40 jornalistas dedicados a revelar arbitrariedades e ilegalidades cometidas no país, em especial o desrespeito aos direitos humanos e às agressões ambientais. “Natalia não romantiza o jornalismo, mas também não o reduz a uma função técnica. Mostra como a boa reportagem exige sensibilidade, visão estratégica e um compromisso firme com a busca pela verdade — mesmo quando ela incomoda”, acredita Daniel Camargos. Parceria com a UFMG, o projeto é realizado na área externa da Livraria Jenipapo (R. Fernandes Tourinho, 241, Savassi) e começa às 19h, com entrada franca.